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sábado, 9 de abril de 2016

A volta dos que não foram - O resgate de espécimes do Brasil Profundo




Esqueça os folclóricos tipos urbanos produzidos pela recente onda do neoconservadorismo político e cultural como, por exemplo, os coxinhas, coxinhas 2.0, simples descolados etc. Esses tipos ainda são de um “Brasil Renitente”. Com o baixo astral generalizado posto em prática pela grande mídia, a pesada atmosfera psíquica nacional revela agora novos espécimes, dessa vez de um “Brasil Profundo”: retrofascistas e protofascistas, tipos-ideais mais perigosos e beligerantes: pequenos escroques, acadêmicos e intelectuais obscuros, músicos que fizeram sucesso no passado e que foram esquecidos, ex-anônimos que confundem militância profissional com fundamentalismo religioso e oportunistas de toda sorte. Todos, ao mesmo tempo, parecem ter sido resgatados do ostracismo e infernos pessoais graças à incansável atividade da grande mídia em produzir novos personagens que sustentem suas pautas.


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por Wilson Roberto Vieira Ferreira, no sempre ótimo Cinegnose


Depois desses tempos de neoconservadorismo político e cultural nos brindar com uma rica fauna urbana composta por coxinhas 1.0, coxinhas 2.0, novos tradicionalistas, simples descolados, “rinocerontes” etc. (sobre esses tipos urbanos clique aqui, aqui e aqui), a pesada atmosfera psíquica que baixou no País, decorrente da polarização política e da intensa atividade do contínuo midiático para gerar baixo astral, produziu o habitat perfeito para novos e exóticos espécimes.

Eles vieram do Brasil Profundo! Vamos listar alguns desses exemplares:


Espécime 1Nome: Ju Isen. Modelo anônima, famosa por tirar a roupa em uma das manifestações Anti-Dilma na Avenida Paulista em São Paulo, tentou repetir a dose como destaque no desfile da Unidos do Peruche e foi expulsa do Sambódromo. Outras modelos desconhecidas tentaram seguir o exemplo em outro protesto da mesma avenida de São Paulo, seminuas e segurando cartazes anti-PT ostentando enormes óculos de marca. Uma se excedeu ao ficar totalmente nua e foi levada presa pela Polícia Militar.

Espécime 2Nome: Junior de França. Ajuda a organizar o acampamento de manifestantes pró-impeachment em frente ao prédio da Fiesp em São Paulo. Às vezes se passa por jornalista, outras vezes por ator, mas na verdade recruta homens e mulheres para participar de feiras. É acusado de estelionato e de tentar fazer sexo com modelos, segundo matérias na TV Record e no Portal R7 – clique aqui.

Espécime 3Nome: Douglas Kirchner. Transformado em personagem nacional atuando em parceria com a revista Época no vazamento de denúncias contra Lula, o procurador do Ministério Público Federal Douglas Kirchner tem uma controversa militância religiosa e uma conturbada vida amorosa. Fiel de uma seita denunciada por explorar crianças e adolescentes, foi acusado de agredir fisicamente a esposa e mantê-la em cárcere privado no interior de uma das igrejas da seita. Ministra o seminário “Casamento Gay e Marxismo Cultural” onde ataca a igualdade de sexos e defende que o feminismo é um “ideal agnóstico das esquerdas” – sobre a história desse espécime clique aqui.

Espécime 4Nome: Janaina Paschoal. Assustando até os apoiadores do impeachment da presidenta Dilma, numa performance resultante do cruzamento de Death Metal com o desempenho da atriz Linda Blair no filme O Exorcista, a professora de Direito Janaina Paschoal fez um discurso em ato de apoio ao impeachment na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco em São Paulo. Transtornada e transfigurada fez alusões ao poder de uma “cobra” que mantém o país no “cativeiro de almas e mentes”. “Acabou a República da Cobra!”, gritava ensandecida em um discurso que lembrava um bispo evangélico fora do controle.


De onde vem essa gente?...

Como perguntou certa vez o Homem-Aranha, cansado depois de enfrentar o Monstro de Areia e o Venomn: “de onde vem toda essa gente?...”.

Pequenos escroques, acadêmicos e intelectuais obscuros, músicos que fizeram sucesso no passado e que foram esquecidos, ex-anônimos que confundem militância profissional com fundamentalismo religioso e oportunistas de toda sorte.

Todos de repente parecem ter sido resgatados, todos ao mesmo tempo, de seus ostracismos, infernos e limbos pessoais para serem reciclados, ressignificados pela grande mídia e se tornarem a esperança de um futuro melhor – ou uma “ponte para o futuro”, bordão que subliminarmente vem repetindo a todo momento, em alusão ao documento do PMDB divulgado como proposta para um futuro governo pós-impeachment.

Em toda a crise política, talvez a melhor contribuição dada pela grande mídia foi a de trazer à tona esses personagens do Brasil Profundo, pescados nas águas turvas de uma conturbada psicologia de massas.

Uma verdadeira contribuição no campo da Etnografia e da Antropologia Urbana: ressuscitar espécimes que estavam em estado latente, hibernos, apenas esperando a atmosfera ideal para que voltassem a respirar em plenos pulmões. Espécimes redivivos que agora podemos finalmente ter a oportunidade de estuda-los in loco.



Brasil Renitente e Brasil Profundo

Por “Brasil Profundo” não estamos nos referindo a uma referência geográfica como um “interior” ou “periferia”. Mas como o ponto mais profundo de um inconsciente coletivo ou “sombra”, no sentido dado pela psicanálise junguiana.

Muito mais profundo do que o imaginário da “Casa Grande e Senzala” de um país ainda marcado pelos signos de distinção de classes (elevador social, uniformes de empregadas domésticas etc.), marcas de uma antiga ordem escravocrata. Onde até mesmo um publicitário como Nizan Guanaes (Publicidade, símbolo de uma suposta modernidade brasileira) é capaz de revelar esses velhos estereótipos em sua coluna na Folha, reclamando sobre o fim das empregadas domésticas: “Preciso de uma Dona Flor, mas que não precisa ter o corpo da Sônia Braga – precisa é cozinhar”, explicou. – Folha, 16/11/2011.

Esse não é ainda o Brasil Profundo, é o Brasil Renitente.


Ego embrutecido

“Quem é duro consigo mesmo, também é com os demais”, dizia o sociólogo Theodor Adorno na sua célebre fórmula do psiquismo do nazi-fascismo. Certamente esta fórmula poderia ser aplicada nesse estudo dos espécimes do Brasil Profundo.

Em comum, todos eles vieram do esquecimento e obscurantismo. São pessoas apegadas aos valores da meritocracia e competição, o que mais torna essa condição de anonimato em profunda frustração de um ideal de ego também atormentado por um profundo ressentimento.

Ju Isen busca a oportunidade que lhe proporcione, pelo menos, a condição de sub-celebridade; Kirchner, o típico concurseiro de editais públicos, espécime que massacra o próprio psiquismo em busca da aprovação – após a vitória, com o ego tão embrutecido e encouraçado, torna-se frio, indiferente em diversos graus, como, por exemplo, no conservadorismo político e de costumes.

Janaina Paschoal, com seu ego igualmente embrutecido em um meio tão competitivo e masculinizado como o campo do Direito; e Júnior de França, oportunista de ocasião no mundo das sub-celebridades que vivem a fama como farsa.

Ressuscitados do seu estado de torpor pela eletricidade das mídias, descobriram que tinham nas mãos uma hiper-tecnologia: redes sociais e dispositivos móveis para poderem amplificar em tempo real seu ódio e ressentimento.


Retrofascismo

Como alertava o sociólogo canadense Arthur Kroker no final do século passado, o futuro seria do “retrofascismo”: uma situação ambivalente de hiper-tecnologia e primitivismo. Kroker dizia que “o fascismo é a revoltados derrotados”. A vida dirigida pelo ódio de si mesmo (o ressentimento pelo ostracismo e obscurantismo) vingando-se através da destruição do outro - leia KROKER, Arthur. Data Trash, New York: Saint Martin's Press, 1994.

Como nos informa o prefixo “retro”, esses espécimes protofascistas são nostálgicos de um passado de pureza onde supostamente haveria lei e ordem. Nos nazifascistas do trágico passado, a pureza da raça em um Idade do Ouro; nos retrofascistas, a ordem militar que nos mantinha seguros de feministas, gays e comunistas - sobre o conceito de retrofascismo clique aqui.


Brasil Profundo e Neodesenvolvimentismo

Ao contrário do Brasil Renitente, o Brasil Profundo foi parido nessa última década. A inclusão de milhões de brasileiros à sociedade através do consumo (que o economicismo e neodesenvolvimentismo faziam o PT acreditar que por si só geraria consciência política e de cidadania) na verdade produziu um perverso efeito inverso: despolitização por meio da percepção de que qualquer direito seria um oportunista substituto do mérito e do trabalho.

Estado policial e militarismo é a atmosfera ideal para esses espécimes protofascistas – a oportunidade de destruir o outro mandando à favas todas as formas de direitos e garantias sociais. Destruir todos esses preguiçosos corruptos que vivem à sombra do Estado com bolsas famílias e créditos educativos.

A ironia é que esses espécimes são perdedores na corrida meritocrática: concurseiros que se mataram em concursos públicos para conseguirem estabilidade dentro de um Estado tão odiado, pequenos escroques, oportunistas intelectuais e acadêmicos condenados à própria mediocridade, além de roqueiros esquecidos pelo mercado.

Ressuscitados por uma grande mídia ávida por novos personagens que deem sustentação às suas pautas, sentem na nova atmosfera a chance de vingar no outro a dureza com que tratam a si mesmos.

Fora de suas tocas onde se mantiveram hibernos, hoje esperam uma tradução política para, mais uma vez na História, ocuparem o Estado.







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