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terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Petróleo - perspectivas futuras



por Luciano Losekann e Edmar de Almeida, no  blog Infopetro

Em 12 de novembro do ano passado, com o apoio do IBP, foi realizado no Rio de Janeiro o seminário “The Changing Global Energy Landscape: Impacts for Brazil”. Fruto da parceria entre o Grupo de Economia da Energia e a Columbia University, o seminário contou com a participação de dois especialistas americanos importantes: Robert McNally e Jason Bordoff. Os dois são fundadores do Center on Global Energy Policy, sendo que o primeiro foi assessor de energia do presidente George Bush e o segundo, atual diretor do Centro, foi assessor do presidente Barack Obama.

O seminário ocorreu em um momento bastante oportuno. O panorama global dos mercados de petróleo e gás natural se alterou fortemente nos últimos meses. Após um período anormal de calmaria nos preços entre 2011 e 2014, os preços do petróleo caíram fortemente e o futuro aponta para maior volatilidade dos preços. A revolução do shale gas agora terá impactos além das fronteiras dos Estados Unidos, tanto diretamente, via as exportações americanas de GNL, quanto indiretamente, mediante a difusão junto a outros países da tecnologia de produção de óleo e gás não convencionais. O novo panorama tem fortes implicações para o Brasil, que necessita realizar pesados investimentos para desempenhar papel mais relevante na indústria de petróleo.


Mudança no Panorama dos Preços do Petróleo

A palestra de Robert McNally, “Estabilidade e Volatilidade do Mercado internacional de petróleo – Passado, Presente e Futuro”, buscou identificar os determinantes da volatilidade dos preços do petróleo e prever a tendência futura para o mercado. No histórico da indústria de petróleo, podem ser observados períodos de elevada volatilidade e de estabilidade. A volatilidade está associada às forças de mercado, num contexto de baixas elasticidades de oferta e demanda.

Como os custos mais representativos são fixos, a oferta responde pouco a variações de preço. Pelo lado da demanda, o consumidor não encontra substituto de escala global para gasolina e também responde pouco a variações de preço no curto prazo. Assim, sem a atuação de coordenação para a estabilização, pequenas oscilações de oferta e demanda têm grande impactos nos preços.

A história moderna da indústria de petróleo se inicia na Pensilvânia em 1859. No início, quando os mercados ainda não estavam desenvolvidos e as tecnologias não tinham se estabelecido, a volatilidade era elevada. Rockfeller percebeu que movimentos tão amplos de preços (Bust and Boom) não eram favoráveis ao desenvolvimento do mercado. A Standard Oil por intermédio de práticas de monopsônio e monopólio passou a controlar a oferta para estabilizar o preço.

Com a contestação das grandes empresas e o surgimento da defesa da concorrência nos EUA, a Standard Oil foi cindida e perdeu o poder de controlar os preços. Assim, os preços voltaram ser instáveis nos anos 1920s. Os países dominantes perceberam necessidade de controlar oferta. Ocorreu, então, a primeira versão da OPEP, a partir do final do final da década de 1920. A Texas Railroad Commission desempenhou o papel de controlar a oferta, mantendo capacidade ociosa de produção. O controle de capacidade ociosa foi a forma encontrada de estabilizar os preços, já que essa capacidade pode ser colocada rapidamente em produção. Nessa longa fase de estabilidade de preços, ocorreram várias interrupções de oferta no Oriente Médio, como em 1967, mas, mediante o controle da capacidade ociosa, foram contornadas sem grandes impactos sobre os preços.

Essa capacidade de controle se esgotou na década de 1970. Em 1972, a Texas Railroad Commission decidiu colocar a capacidade em plena produção para atender a demanda que era crescente nos EUA. Assim, perdeu a capacidade de controlar os preços e os países produtores se aproveitaram. Após os choques, a OPEP passou a desempenhar o papel de reter capacidade de produção. Com a Arábia Saudita tendo maior relevância no controle da capacidade ociosa (Swing role).

Nos anos 1980s, a capacidade ociosa em mãos da Arábia Saudita era muito elevada. Isso gerou custos e, a partir de certo momento, os sauditas decidiram diminuir sua capacidade ociosa. Com o aumento de produção, os preços colapsaram.

A regra geral é que 5% de capacidade ociosa são suficientes para estabilizar os preços. Isso ocorreu nos anos 1990. Nos anos 2000, o crescimento da demanda mundial de derivados foi reduzindo a capacidade ociosa. O ano de 2009 foi uma exceção, em função da crise econômica, mas, rapidamente, a capacidade ociosa voltou a ficar inferior a 5%. Assim, volatilidade dos preços tende a aumentar. Apesar dos preços elevados, a oferta mundial de petróleo não responde como ocorreu na década de 1970, quando ocasionou o contrachoque na década seguinte.

As expectativas de oferta da IEA foram repetidamente frustradas em 2003, 2004 e 2005. Posteriormente, o boom do Shale nos EUA apareceu como uma surpresa, o crescimento da produção dos EUA superou as expectativas. No entanto, o óleo Norte Americano ainda representa uma parcela pequena da oferta global e não é suficiente para compensar a frustração de oferta de outros players. Ao contrário do que se pode pensar, o crescimento da produção dos EUA não é suficiente para explicar a queda recente dos preços.

Uma questão debatida no seminário foi “por que os preços do petróleo ficaram elevados e estáveis nos últimos três anos e agora caem?”. Esse movimento foi determinado pela percepção quanto ao comportamento da Arábia Saudita e da OPEP. Apesar da sobre-oferta decorrente do comportamento frustrante da economia, os preços elevados se sustentaram com a expectativa que a OPEP, em particular a Arábia Saudita, iria cortar a produção. No entanto, os sauditas anunciaram que não estão dispostos a desempenhar esse papel; o que não era esperado. A partir desse momento, os preços caíram de forma mais expressiva.

A expectativa é que para manter os preços estáveis é necessário que a OPEP corte 2 MMbbl/dia no início de 2015. O prognóstico da BP, por exemplo, é que em algum momento a OPEP terá que cortar, mas o palestrante não acredita nessa possibilidade. A percepção da Arábia Saudita é que esse corte deve ser proveniente da oferta americana de Shale Oil.

Pelo lado americano, a oferta de shale oil e shale gas é mais flexível, podendo responder a variações de preço em prazo mais curto. Em campos de shale, é necessário investir continuamente em fracking para manter a produção. Com o preço mais baixo, a atratividade de investimentos em novos poços cai e a produção tende a responder de forma mais rápida. Assim, o Shale oil poderia colocar teto e piso para o preço do petróleo.

No entanto, a Arábia Saudita é otimista quanto ao volume de produção americana que deverá ser retirado do mercado. O preço atual, de US$85/barril, é suficiente para parar investimentos apenas nos campos menos eficientes. Seria necessário cortar 1,5 MMbb/dia no próximo ano. No entanto, estudos indicam que os EUA só reduziriam a produção em 0,5 MMbb/dia se o preço do petróleo chegasse a US$50/barril. Hoje a mensagem dos produtores dos Estados Unidos é a continuação da perfuração e da produção.

Ou seja, os preços no curto e médio prazo devem permanecer baixos. Em prazo mais longo, a conclusão de Robert McNally é indefinida no que diz respeito a se o preço será mais baixo ou mais alto, porém no que concerne à volatilidade não há dúvida: será elevada. Ou seja, o preço dependerá do comportamento da oferta e da demanda e deve experimentar elevações e reduções em função de alterações nos fundamentos de mercado.

Pelo lado da demanda, o baixo desempenho da economia global foi um determinante da situação atual. Para o futuro, as previsões dominantes tendem a subestimar o consumo. As hipóteses consideradas não devem se confirmar. Os combustíveis alternativos no transporte não têm as mesmas qualidades dos derivados de petróleo, limitando sua ampliação na matriz. O crescimento do PIB será intensivo em energia. O processo de ganhos de eficiência experimentado no passado pelos países da OCDE não deve se repetir na mesma intensidade em países emergentes. Assim, o crescimento futuro do PIB vai exigir mais óleo do que é considerado por analistas.

A questão ambiental não deve ser uma restrição tão relevante. Não se vê ações relevantes que possam propiciar atingir cenários de menores emissões de CO2, como o cenário 450 da IEA. O que se vê são países reduzindo o esforço de mitigação como resposta à crise econômica. Na visão de Robert McNally, os sinais que podem induzir a redução do uso de combustíveis fósseis só tendem a surgir quando motivados pela questão fiscal. Para sustentar os gastos crescentes com seguridade social com o envelhecimento da população, a taxação sobre combustíveis fósseis poderá ter esse resultado.


Mudança no Panorama Mundial do Gás Natural

A palestra de Jason Bordoff, intitulada “Evolving Global Natural Gas Market”, abordou o mercado mundial de Gás Natural Liquefeito. O principal foco foi a avaliação do impacto das exportações de GNL dos EUA nos preços globais do gás natural.

Historicamente, o gás natural foi tratado como um produto pouco atrativo pelas operadoras, que focavam petróleo. Essa situação vem mudando nos últimos anos com a ampliação do gás natural no consumo. Assim, a participação do gás natural no portfólio das operadoras passou a crescer. Esse processo caracterizou a chamada era do gás.

O primeiro drive da Era do Gás foi o rápido crescimento da oferta. O crescimento da oferta entre 2000 e 2013 foi bastante superior a do petróleo. Sendo que a maior parte do crescimento foi proveniente de países da OCDE, como EUA e Austrália.

Com o aumento da oferta dos EUA o preço despencou no país. Como nos demais mercados globais, Europa e Ásia, o preço do gás natural aumentou, os EUA passaram a experimentar uma vantagem competitiva nas indústrias que utilizam o combustível. Esse foi um determinante para a recuperação econômica dos EUA após a crise financeira.

Mesmo com a redução do preço do gás natural e do petróleo, mais recente, a produção ainda cresce. A redução do preço do petróleo tem grande impacto sobre a atratividade, já que os líquidos são um fator de viabilidade dos projetos. O número de poços perfurados se reduziu, mas isso foi compensado pela maior produtividade dos poços.

O aumento da oferta de gás natural recente impactou na ampliação do comércio internacional através de GNL, já que os gasodutos não experimentam expansão. Esse movimento deve se intensificar nos próximos anos, com a liderança da Austrália e dos EUA.

Outra característica da Era do Gás é a chamada competição gás-gás. A dinâmica de precificação deixa de ser atrelada ao preço do petróleo para ganhar determinantes próprios, definidos pelas condições de oferta e demanda com maior relevância dos mercados spot. Isso já é realidade na Europa, mas ainda não se concretizou na Ásia.

A perspectiva é que a Ásia continuará liderando o crescimento da demanda. Nos EUA, o gás natural ampliou sua participação na matriz de geração elétrica. A recuperação recente do preço spot do gás natural causou uma inflexão, mas as restrições ao uso de carvão pelo EPA podem favorecer o gás novamente.

O shale gas que revolucionou o mercado de gás natural nos EUA é observado em outros países. No entanto, é uma interrogação se essa dinâmica irá funcionar em outras partes do mundo. Isso envolve aspectos geológicos, institucionais e de infraestrutura. Os campos não apresentam as mesmas características de produtividade e conteúdo dos EUA. A institucionalidade americana ofereceu a flexibilidade necessária para que a produção crescesse rapidamente. E, talvez o aspecto mais importante, a disponibilidade de infraestrutura nos EUA (gasodutos e logística) permite que o gás natural de shale, com maior custo unitário que o convencional, experimente lucratividade mesmo com preços mais baixo. A IEA é otimista sobre oferta fora dos EUA. Esse otimismo funcionou para os EUA, mas é incerto se funcionara em outros lugares do mundo. As preocupações ambientais são chaves. Mesmo os EUA têm várias localidades que baniram o shale.

A Europa e a Ásia continuarão muito dependentes de importações. A evolução futura da demanda irá depender de políticas ambientais, principalmente através da substituição do carvão. O consumo de gás cresce tanto em caso de cenários mais ou menos otimistas para o meio ambiente.

A entrada dos EUA irá diminuir o preço do GNL no mundo. Mas, esse processo vai demorar. O primeiro projeto de exportação de GNL entra no ano que vem. Mas a entrada da maior parte ocorre em 2018 e 2019. Com a possibilidade de contar com outras fontes de suprimento, a Europa pode diminuir gastos com o gás importado da Rússia, mas a redução não deve ser relevante.

Até aqui, o custo de projetos GNL se elevou muito. Os projetos da Austrália, que experimentam custos muitos superiores aos orçados, puxaram os custos para cima. Com a entrada dos EUA e redução dos preços, alguns desses projetos vão enfrentar dificuldades.


Impactos Potenciais para o Brasil

A mudança do panorama internacional do petróleo e do Gás terá impactos muito relevantes para a indústria Brasileira de petróleo e de gás. A redução dos preços do petróleo, no curto prazo, e a maior volatilidade dos preços no médio e longo-prazos representam um grande desafio para os investimentos em petróleo no Brasil. O país precisa investir cerca de US$ 50 bilhões ao ano e o custo do petróleo nacional não é baixo. Esse desafio recai em grande parte sobre a Petrobras, que é a única operadora do pré-sal. Assim, é fundamental uma atenção redobrada sobre o fluxo de caixa da Petrobras para evitar uma deterioração rápida da capacidade de investimento da empresa.

O novo panorama mundial do petróleo e do gás requer uma nova discussão sobre a atratividade dos investimentos em E&P no Brasil. Vários países da América Latina, como México e a Argentina, vêm adotando medidas para atrair investimentos estrangeiros para a E&P. Esta postura mais pragmática dos países vizinhos implica maior competição pelos investimentos privados em E&P. Neste sentido, é oportuna uma discussão sobre as questões regulatórias que podem afetar a competitividade do E&P no Brasil como a política de conteúdo local, a política de preços dos derivados no país, a tributação sobre os investimentos e as rodadas de licitação.

Com relação ao gás natural, a situação brasileira é de elevada incerteza. Pelo lado da oferta, as expectativas de oferta de gás natural no pré-sal são menos favoráveis ao que se antecipava. Em 2019, o contrato de importação da Bolívia se encerra. A renovação do contrato depende das reservas bolivianas, cujas expectativas também não são favoráveis. Pelo lado da demanda, é evidente a necessidade de ampliar a geração termelétrica e a questão é a competição com o carvão. O menor preço de importação de GNL poderia dar mais competitividade para as térmicas a gás no leilão. No entanto, conforme a análise de Jason Bordoff, o preço do GNL não deve cair tanto para possibilitar a competitividade de térmicas na base de geração. Os preços atuais de US$ 17 a 19/MMBTU podem baixar para US$ 14/MMBTU, mas não para US$ 10/MMBTU.

Neste contexto, é fundamental uma discussão profunda da estratégia de oferta de gás natural para o setor termelétrico e para os outros segmentos da demanda. A incerteza quanto à oferta futura pode comprometer investimentos na indústria e na geração termelétrica, com impactos negativos para o desenvolvimento futuro do mercado de gás no país.

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