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terça-feira, 6 de maio de 2014

Os 4 cavaleiros do FMI

Holzschnitt von Albrecht Dürer, 1498 - Die Apokalyptischen Reiter


pescado no The Guardian (*) texto do ótimo Greg Palast
(Tradução de Antonio Ferrão - Portugal)


Foi uma cena digna de Le Carré: o agente secreto chegou do frio e, após horas de relato, esvaziou a memória dos horrores cometidos em nome de uma ideologia apodrecida.

Mas o peixe era bem mais graúdo que os espiões usuais da Guerra Fria. O antigo homem do apparatchik não era outro senão Joseph Stiglitz, ex principal economista do Banco Mundial. A nova ordem econômica mundial foi a sua teoria econômica que veio à vida.

Estava em Washington para uma grande confabulção do Banco Mundial com o Fundo Monetário Internacional. Mas agora, em vez de se sentar ao lado de ministros e banqueiros, esteve no outro lado do cordão policial. O Banco Mundial despediu Stiglitz há dois anos. Não lhe foi permitida uma reforma sossegada: foi excomungado por ter expressado leves divergências com o estilo de globalização do Banco Mundial.

Aqui em Washington, entrevistamos Stiglitz em exclusivo para The Observer e para a Newsweek sobre os trabalhos preparatórios das reuniões do FMI, o Banco Mundial e do proprietário de 51% dos bancos norte-americanos, o Tesouro dos EUA.

Também em Washington, mas de fontes anônimas (não Stiglitz), conseguimos obter preciosos documentos com as marcas 'confidencial' e 'secreto'.

Stiglitz ajudou-nos a traduzir um desses documentos, intitulado 'Estratégia de Assistência ao País'. Havia uma estratégia de assistência para cada nação pobre, projetada, segundo afirma o Banco Mundial, após minuciosas investigações empreendidas no terreno.

Porém, segundo o insider Stiglitz, a 'investigação' do Banco Mundial pouco mais era que uma visita aos salões dos hotéis de cinco estrelas que terminavam em uma reunião com o ministro das finanças do país postulante do empréstimo, a quem era apresentado um 'Acordo de Ajustamento' para receber a sua assinatura 'voluntária'.

Cada nação era analisada, afirmou Stiglitz, para receber, em seguida, sempre o mesmo programa em quatro etapas para se candidatar ao financiamento.

O 1º Cavaleiro 

O Primeiro Passo é a privatização. Em vez objetarem contra a alienação das empresas do Estado, alguns políticos – usando os bons ofícios do Banco Mundial para silenciar os críticos – entregavam alegremente as empresas da área de abastecimento de água e de eletricidade dos seus países. 'Conseguia ver o brilho nos seus olhos', quando eram mostradas as comissões por abate de alguns bilhões do preço de venda.

O governo dos EUA sabia disso, acusou Stiglitz, pelo menos no caso da maior de todas as privatizações, que aconteceu em 1995 na Rússia. A posição do Tesouro dos EUA na época foi: 'Ótimo, foi para isso que queríamos a reeleição de Yeltsin. Pouco nos importa que tenham sido eleições fraudulentas.'

Não é fácil descartar Stiglitz com um vulgar conspirador porque ele esteve por dentro do jogo – foi membro do gabinete de Bill Clinton e chefe do conselho dos consultores econômicos da Presidência.

O que mais enfurece Stiglitz é que os oligarcas russos apoiados por Washington tenham espoliado os bens do país, reduzindo o produto nacional bruto pela metade.

O 2º Cavaleiro  

Após a privatização, o Segundo Passo é a liberalização do mercado de capitais. Teoricamente, isto abre a possibilidade para os capitais investidos fluírem para dentro ou para fora do país. Infelizmente, como o demonstram os casos da Indonésia e do Brasil, os capitais fluíram apenas para fora. (aqui via CC5, Banestado, Banco Araucária, doleiros, etc.)

A esta etapa, Stiglitz chama de 'Reciclagem do Dinheiro Quente'. O dinheiro entra para as atividades especulativas e foge à primeira brisa de perturbação e as reservas do país podem secar em questão de dias.

Quando os capitais fogem, o FMI propõe, como forma de fazê-los regressar, o aumento das taxas de juro das obrigações do Tesouro do país para valores na ordem do 30%, 50% e 80%.

'O resultado é previsível', disse Stiglitz. 'Taxas de juro mais altas arrasam o valor das propriedades, esmagam a produção industrial e esvaziam o tesouro nacional.'

O 3º Cavaleiro  

O FMI arrasta a nação em sufoco para o Passo Três, neste ponto: preços baseados no mercado – um termo arrevesado para fazer subir os preços dos alimentos, da água e do gás de cozinha. Esta etapa conduz ao Passo Três e Meio, como era de se esperar: aquilo a que Stiglitz chama 'o êxtase do FMI'.

O êxtase do FMI é fácil de prever. 'Quando a nação está de joelhos, o FMI chupa a última gota de sangue e aviva o fogo até que o caldeirão exploda', – como aconteceu em 1998 na Indonésia, onde o FMI eliminou os subsídios dos alimentos para os mais pobres e o país explodiu em tumultos.

Há mais exemplos – as revoltas na Bolívia contra o preço da água no ano passado e, já em fevereiro deste ano, as revoltas no Equador por causa do preço do gás imposto pelo Banco Mundial – permitindo quase adivinhar que esta revolta iria acontecer.

Assim é de fato, mas o que Stiglitz não sabia é que a Newsnight teve acesso a vários documentos internos do Banco Mundial. Em um deles, o relatório de 'Progresso da Estratégia de Assistência ao Equador', o Banco Mundial antevia repetidamente – com fria precisão – que os planos poderiam desencadear 'convulsões sociais'.

Sem surpresas. O relatório secreto salienta que o plano de adoção do dólar dos EUA como moeda nacional colocou 51% da população abaixo do limiar da pobreza.

Os levantes provocados pelo FMI (manifestações pacíficas dispersadas com o uso de bala, tanques e gás lacrimejante) causaram também novas fugas de capital e a bancarrota do governo. Estes incêndios econômicos criminosos têm igualmente o seu lado vantajoso para os estrangeiros, que podem então apoderar-se dos restantes dos bens nacionais a preço de espólio.

Há nisto um padrão. Muitos são os perdedores, mas os vencedores inequívocos são os bancos ocidentais e o Tesouro dos EUA.

O 4º Cavaleiro  

Chegamos agora ao Passo Quatro: livre comércio. Entenda-se por livre comércio, segundo as regras da Organização Mundial do Comércio e do Banco Mundial, as organizações que Stiglitz associa às Guerras do Ópio. 'Também estas foram feitas em nome dos mercados abertos', afirmou. 'Tal como no Século XIX, os europeus e os norte-americanos de hoje estão destruindo as proteções aduaneiras na Ásia, América Latina e África, ao mesmo tempo em que fecham as fronteiras à entrada dos produtos agrícolas do Terceiro Mundo.'

Na Guerra do Ópio, o Ocidente usou o bloqueio militar. Hoje, o Banco Mundial oferece o bloqueio financeiro, tão eficaz como o militar e, por vezes, quase tão mortífero.

Stiglitz levanta duas questões sobre os planos do FMI e do Banco Mundial. Ele afirma, em primeiro lugar, como estes planos são delineados em segredo e submetidos a uma ideologia absolutista, nunca abrindo espaço aos dissidentes e 'minam a democracia'. Em segundo lugar, como ocorreu sob a batuta da 'assistência estrutural à África', as receitas deste continente caíram 23%.

Haverá alguma nação que tenha escapado a este destino? Sim, afirma Stiglitz, o Botswana. O segredo? 'Mandou o FMI fazer as malas'.

Stiglitz propõe uma reforma agrária radical: tributação de 50% das rendas apropriadas pelos oligarcas fundiários em todo o Mundo. Por que razão o Banco Mundial e o FMI não seguem o seu conselho?

'Se os proprietários fundiários forem desafiados, representaria uma alteração do poder nas elites.' Não é algo de grande prioridade na agenda destes organismos.

O que levou Stiglitz a dedicar-se à sua nova missão foi o fracasso dos bancos e do Tesouro dos EUA em alterar o seu comportamento face às crises, falências e sofrimentos perpetrados pela dança monetarista em quatro passos.

'É como na Idade Média', disse o economista, 'Quando o paciente morria, diziam: Bem, parece que não sangramos com rapidez suficiente. Restou algum sangue dentro dele.'

Talvez seja tempo de remover os vampiros.


(*) artigo escrito em 2001, mas parece que é da semana passada.

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