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quarta-feira, 20 de março de 2013

Eu me neguei a soprar o bafômetro


por Luis Nassif, em seu blog

Quase meia noite, uma blitz da Policia Militar me manda parar o carro. Saio e sou abordado por um sargento que quer que eu faça o teste do bafômetro. Recusei, apesar de não ter bebido. A intenção foi saber o que acontece com os que se negam a soprar.
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O problema surgiu quando se constatou que nenhuma pessoa estaria obrigada a soprar o bafômetro. Para corrigir a lacuna, foi promulgada a chamada Lei Seca, com alguns absurdos (como o mínimo de 0,3 de álcool no sangue).
O motorista que recusar a soprar o bafômetro terá que assinar um termo. Se apresentar sinais visíveis de embriaguez - e apenas nessa situação - será autuado e submetido a uma perícia médica.
Voltemos à minha história para entender o que está ocorrendo na prática.
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Quando disse da minha recusa em soprar o bafômetro, o sargento da PM  nem quis conversa.
- Se não soprar, o senhor será autuado.
Disse-lhe que não sopraria.
Aí criou-se o impasse.
Na blitz, não havia nenhuma pessoa para preencher o termo de recusa. E nenhum perito médico para atestar se eu estava ou não embriagado.
O correto seria o sargento me liberar. Mas aí sua autoridade seria arranhada.
Resolveu, então, me levar até a delegacia, enquanto um funcionário da PM conduzia o carro.
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Chegamos na delegacia, abarrotada por problemas mais efetivos. Atrás do balcão, o delegado indagou do sargento se eu apresentava sinais de embriaguez.
Se admitisse que eu não apresentava os tais sinais, não haveria como o sargento justificar minha detenção. Na cara de pau, então, a autoridade afirmou que sim, eu apresentava sinais de embriaguez.
Reagi na hora. Perguntei ao delegado se via algum sinal de embriaguez em mim.
Nervoso, o sargento quase ordenou que não o interrompesse.
Insistiu que eu tinha os sinais, nos olhos vermelhos (poderia ser de sono mas, efetivamente, não estavam vermelhos), no hálito e... na arrogância.
Nem de arrogante poderia me acusar, já que minha reação foi apenas contra a lei, não contra os PMs. Depois, fui de viatura até a delegacia, sem abrir a boca.
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Toca esperar na sala da delegacia, cercado de bêbados autênticos e alguns marginais.
Conversa vai, conversa vem, o delegado informou que, já que bastava a palavra do PM para me autuar por embriaguez, eu deveria ir até o Instituto Médico Legal (IML) para fazer a perícia técnica.
Na delegacia, perdi hora e meia; no IML, perderia mais duas horas.
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A esta altura, o PM percebeu que tinha criado uma confusão do nada. Aproximou-se, mais cordato, conversou um pouco sobre a lei, mostrou bom conhecimento. E, no final da conversa, abriu o jogo:
- Faz assim: sopre o bafômetro que nós te liberamos.
Era quase um apelo.
Como já tinha material de análise sobre a aplicação prática da Lei, soprei, deu zero, e fui liberado.
***
Se a mera palavra do sargento é suficiente para me segurar por quatro horas em delegacia e IML, não há a opção de não soprar o bafômetro. A opção é, sopra ou passe quatro horas detido.
Parte do problema se resolve com a PM aprimorando seus procedimentos e não permitindo mais blitz sem a presença do escrivão e do perito médico.
Mas deveria haver formas mais efetivas de contenção de esbirros autoritários de autoridades.

Um comentário:

  1. Eu acho que tem de ser obrigado a soprar e pronto. Certos princípios como presunção de inocência e não produzir provas contra si são exercitados demais no Brasil.

    Por exemplo, presunção de inocência tem como fim primeiro evitar que se joguem as pessoas na cadeia indefinidamente para "averiguações". Não deveria servir para manter delegado torturador ou funcionário corrupto ativo no cargo e recebendo salário. A perda de confiança é maior que a presunção de inocência.

    Da mesma forma, o "produzir provas contra si" é outro conceito da esfera criminal, que não faz sentido ficar usando para tudo. Quando eu preencho uma declaração de IR, posso estar produzindo provas contra mim mesmo. Vou deixar de preencher este ano, usando essa alegação, pra ver se cola.

    O direito de ir e vir é sagrado, mas dirigir um automóvel é privilégio concedido pelo Estado, por razões óbvias, e os motoristas precisam gozar de confiança para manterem este privilégio.

    O único problema nisso tudo foi a "celeridade" dos procedimentos e aí o Nassif, que defende Estado forte e pervasivo, teve o que mereceu.

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