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terça-feira, 12 de junho de 2012

Reflexões sobre Eleições Municipais

por Paulo Kliass, na Carta Maior


A exemplo do que ocorre com os cargos semelhantes nas esferas federal e estadual, os municípios realizam a cada quatro eleições para definição do chefe do poder executivo e dos representantes da população no poder legislativo. Além disso, nas cidades com mais de 200 mil habitantes, é prevista a realização de um segundo turno, caso nenhum candidato a prefeito tenha obtido mais de 50% dos votos na primeira etapa.

Atualmente o Brasil conta com 5.565 municípios, onde residem os quase 191 milhões de cidadãos. Porém, o panorama municipal reproduz um pouco o quadro de desigualdade e concentração que caracteriza uma série de outras dimensões do País. Assim, a legislação trata de forma homogênea um conjunto extremamente desigual de cidades, seja em termos políticos, econômicos, sociais, populacionais ou territoriais.

De acordo com o Censo de 2010, os dois maiores municípios brasileiros, em termos populacionais, são as capitais dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Elas contam, respectivamente, com 11,2 e 6,3 milhões de habitantes – ou seja, quase 10% do total da população brasileira. Mas na outra ponta do espectro, encontraremos os dois menores municípios em termos de sua população: Borá (SP) com 805 e Serra da Saudade (MG) com 815 cidadãos.

Municípios: concentração e desigualdade
O processo intenso de urbanização das últimas décadas combinou-se ao da aglomeração nos grandes pólos metropolitanos, em geral aglutinados em torno das capitais dos Estados e regiões de maior dinâmica econômica. No entanto, o nosso desenho constitucional só prevê como entes da federação as figuras do município e do estado, abaixo da União. As regiões metropolitanas (RMs) ainda não comportam a possibilidade de um tratamento particular e diferenciado. E isso contribui também para o tratamento desigual. Os municípios mais populosos concentram a grande maioria de nossos habitantes, mas não contam com as condições políticas e financeiras para dar conta de suas obrigações frente a tal população

Os dez maiores municípios são representados por capitais de Estado, aí incluído o Distrito Federal (Brasília). Juntos, apresentam um total populacional de 34,3 milhões de habitantes, ou seja, 18% da população do País. Vale lembrar que trata-se tão somente de 0,2% do total de municípios. Se ampliarmos escopo para os 55 maiores, estaríamos próximos de 1% do total de cidades – nesse caso a soma de suas populações atinge 63,4 milhões, o equivalente a 33% do total brasileiro.

Caso o foco de análise seja o das regiões metropolitanas, o fenômeno da concentração fica ainda mais evidente. Apenas as três maiores (São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte) concentram 36,5 milhões de habitantes, equivalentes a 19% da população total. Se acrescentarmos as RMs de Porto Alegre, Recife, Fortaleza e Salvador chegaremos a 51,3 milhões de habitantes - 27% do total. Finalmente, as 20 maiores RMs somadas concentram uma população de 75,8 milhões – 40% do total de nosso País.

Descentralização e municipalismo
Apesar dessa tendência à concentração em grande pólos urbanos, a sociedade brasileira assistiu a um movimento em sentido contrário, representado pela descentralização político-administrativa. A transição democrática a partir de 1984 e a promulgação da Constituição de 1988 consolidaram um sentimento generalizado de que as noções e conceitos associados à centralização eram naturalmente negativos. Concentração de poderes junto à União rimava com a época da ditadura e os ventos da democracia assobiavam ao ritmo do aprofundamento do municipalismo.

É inegável a força e a importante contribuição do movimento municipalista para o sucesso da consolidação democrática. Porém, havia um certo idealismo na percepção da descentralização como uma verdadeira panacéia para todos os males derivados dos problemas da institucionalidade brasileira. Mas a força das idéias combinou-se à articulação de interesses locais e o Brasil conheceu uma onda vigorosa de emancipação de áreas espalhadas por todo o território nacional, que se constituíam em novos municípios logo após a consulta da população interessada por meio de plebiscito. Para muitos observadores da cena política, esse processo era encarado como a experiência “radical” da democracia, após tantos anos de regime autoritário.

O quadro evoluiu de forma expressiva. Até 1984, contávamos com 4.102 municípios. Entre 1984 e 2000, foram criadas 1.405 novas cidades. Ou seja, houve um salto de 34% no total de municípios em um período bastante curto de tempo. A partir de então, foram impostas condições que tornavam mais exigentes os processos para emancipação. Assim, no período seguinte, entre 2000 e 2012, foram constituídos apenas 58 novas cidades.

Municípios e representação legislativa
Outra faceta do fenômeno da centralização e da desigualdade diz respeito aos mecanismos de representação legislativa. A criação de municípios implicava a constituição de suas novas Câmaras de Vereadores. Em 2008, foram eleitos 51 mil vereadores em todo o território nacional. Com a mudança recente nas regras de proporcionalidade, a expectativa é de que sejam eleitos por volta de 60 mil representantes no pleito de outubro. A proporcionalidade determina que o número mínimo de composição das Câmaras seja de 9 vereadores, para municípios de até 15 mil habitantes. A escala cresce até o máximo de 55 vereadores para cidades com mais de 8 milhões de habitantes.

Assim, fica criado uma espécie de paradoxo de representação. De um lado, grandes cidades, como São Paulo, em que há 1 vereador para cada 203 mil habitantes, ou Rio de Janeiro, onde cada vereador deverá representar 117 mil cidadãos. No outro extremo, o caso limite de Borá e Serra da Saudade, onde cada vereador representa por volta de 90 munícipes. Já na média da população do País, cada vereador eleito em outubro tenderá a representar 3.200 brasileiros.

Por outro lado, a questão municipal apresenta a contradição entre, de um lado, as atribuições constitucionais e legais que foram atribuídas a esse ente federação e, de outro lado, as fontes de recursos necessários ao cumprimento de tais mandatos. Os municípios são responsáveis pelo fornecimento de serviços de saúde (no conjunto do Sistema Único de Saúde – SUS) e de educação fundamental, além de todas as demais áreas como segurança, transportes, coleta de lixo, pavimentação de ruas, sinalização, etc. Porém, o desenho constitucional não previu adequadamente as receitas orçamentárias para o poder municipal conseguir fazer face a tal volume de despesas. As principais fontes de recursos das cidades são os tributos sobre imóveis (IPTU e ITBI) e sobre serviços de qualquer natureza (ISS), além de taxas eventualmente constituídas para fins determinados.

Muitas atribuições e poucos recursos
No entanto, para a grande maioria dos municípios esse potencial de arrecadação própria acaba não se efetivando e não consegue se converter em receita no volume necessário para a administração. Assim, eles acabam dependendo do repasse de recursos da União para dar cabo de suas necessidades orçamentárias básicas. Trata-se das transferências previstas pelo Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que deve distribuir por todas as 5.565 administrações municipais um valor equivalente a 23,5% do total arrecadado sob a forma de Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

De uma forma geral, a situação de penúria orçamentária e financeira dos municípios é flagrante. No entanto, a dinâmica eleitoral existente no País dificulta o enfrentamento dessa questão de forma efetiva. As eleições municipais ocorrem justamente na metade do mandato dos demais poderes – governos estaduais e federal. Como existe uma forte dependência político-eleitoral daqueles que estão em contato mais direto com a população (prefeitos, vereadores e candidatos), muito pouco se faz em termos de mudanças que se revelem sustentáveis no médio e no longo prazos. Termina prevalecendo a lógica de se resolver questões imediatas com soluções casuísticas do aqui e agora. E isso vale principalmente pelo lado das chamadas “maldades” por parte da União. Assim, o governo federal sempre procura lançar mão de novos tributos sob a forma de “contribuições” e não IR ou IPI, para não ter que compartilhar essa arrecadação extra com estados e municípios. Ou então adia ao máximo o repasse das cotas de FPM, com o objetivo de fazer caixa no Tesouro Nacional.

Desarmar esses e outros nós da questão municipal é essencial para qualquer projeto de desenvolvimento brasileiro. O cidadão mora no município. Seu contato político mais imediato se dá nesse primeiro plano da ação de cidadania. O Estado se materializa no nível local, por meio de seus serviços públicos. Administrações municipais endividadas e sem condições de cumprir com suas obrigações revelam-se como um atraso político-institucional e um entrave ao aprofundamento democrático. A proximidade das eleições de outubro pode ser um momento de avanço nesse importante debate.

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