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sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ainda sobre o livro de Amaury Ribeiro Jr.(2)





por Rodrigo Viana, no Escrevinhador



“Nós estamos no limite da irresponsabilidade”. A frase – que virou símbolo do processo de privatizações conduzido pelo governo de FHC nos anos 90 – foi dita por Ricardo Sérgio de Oliveira, na época poderoso diretor do Banco do Brasil. Não foi dita para qualquer um. Ricardo Sérgio fez a “confissão” a Luiz Carlos Mendonça de Barros, o Mendonção, que presidia o BNDES. Logo depois, em 1998, o telefone de Mendonça caiu (!?) num grampo, e a frase de Ricardo caiu na boca do povo.

Ricardo Sérgio é o ponto de partida para entender o esperado “livro do Amaury”. Como diria Raul Seixas, Ricardo Sérgio é “o começo, o fim e o meio”.  É preciso entender quem é Ricardo Sérgio para compreender os negócios e negociatas narrados pelo jornalista.

O “livro do Amaury” tinha virado uma lenda urbana. Na eleição de 2010, Amaury se transformou – de forma involuntária – no pivô de um escândalo: a campanha de Serra (com ajuda da mão amiga da mídia) tentou fazer do jornalista (repórter premiado e respeitado pelos colegas) uma espécie de “araponga” a serviço do PT. Aos poucos, ficou claro que a investigação conduzida por Amaury durante quase uma década tinha começado muito antes da campanha eleitoral. Ele investigara os porões da privatização tucana, como repórter de várias publicações da “velha mídia”. E havia muita coisa estranha apontando para o entorno de José Serra. Em 2010, Amaury avisou: não existia dossiê nenhum para a campanha de Dilma, o que existia era apuração jornalística; e tudo isso ia virar livro.

Desde então, na internet, leitores questionam: cadê o livro? esse livro não existe? o Amaury blefou?

A resposta está aqui: “A Privataria Tucana”  chegou às livrarias nessa semana, como um roteiro que indica ao leitor: qual os caminhos e descaminhos do dinheiro das privatizações. O livro traz documentos, certidões, passa pelo Caribe, pelos arquivos da Justiça de São Paulo e da CPI do Banestado.

No livro,  há evidências apontando as estreitas ligações (coincidências?) entre Ricardo Sérgio e o círculo mais próximo de Serra: a filha Verônica, o genro Alexandre Bourgeois, e o primo de Serra Gregório Marín Preciado.
“A Privataria Tucana” precisa ser decifrado com cuidado. Há um volume gigantesco de informações e documentos. É preciso ler, reler, ir aos documentos reproduzidos no livro, voltar à leitura…

O cipoal de tenebrosas transações passa pelas Ilhas Virgens Britânicas. Ali, Ricardo Sergio mantinha há muitos anos empresas “offshore”. Amaury descobriu que, na mesma ilha e no mesmo endereço (um escritório no Citco Building), o genro de Serra abriu duas empresas offshores, logo depois das privatizações: a Vex Capital e a IConexa Inc. No mesmo endereço, ficava ainda a Decidir – empresa criada (originalmente com sede na Flórida) por Verônica Dantas (irmã do banqueiro Daniel Dantas) e Verônica Serra (filha do ex-governador José Chirico Serra).

Um dado curioso – e certamente ignorado pela maior parte dos leitores: o termo “offshore” tem origem na época da pirataria. Os corsários que se escondiam no Caribe preferiam esconder os tesouros (fruto de pilhagem) bem longe da praia e da costa (em inglês=”offshore”), para dificultar a localização pelos inimigos.  O livro de Amaury mostra que há algo em comum nos métodos dos piratas e dos privatas.

Boa parte dos documentos expostos no livro foi obtida por Amaury numa ação judicial em que era réu. Depois de escrever reportagem na revista “Istoé” com acusações contra Ricardo Sergio, Amaury fora processado pelo ex-caixa de campanha de Serra e FHC. No decorrer do processo, obteve a chamada “exceção da verdade”: instrumento judicial que possibilita ao acusado de calúnia ou injúria provar que é verídica a acusação feita. A decisão da Justiça obrigou a CPI do Banestado a entregar vários documentos a Amaury, o que facilitou o trabalho do jornalista na trilha do dinheiro das privatizações.

Entre os papéis liberados pela CPI, estavam documentos sigilosos agora reproduzidos no livro. Ali, estaria comprovado [faço a citação literal do que está à página 137 do livro]: “81% dos depósitos recebidos no exterior pela Franton Enterprises – do ex-caixa de campanha de José Serra, Ricardo Sergio de Oliveira – foram feitos pelo primo político de Serra, Gregório Preciado. Os dados são originários da famigerada conta Beacon Hill. Também nos papéis, a turbulenta situação das empresas de Preciado, os pagamentos que fez e aomissão de Serra diante da Justiça Eleitoral sobre sua sociedade com Vladimir Rioli”.
Ricardo Sérgio – do alto de suas posições no Banco do Brasil – teria ajudado a salvar empresas de Gregório Preciado. 

Vladimir Rioli é outro personagem importante. Foi sócio de Serra numa empresa de consultoria, e virou vice-presidente do Banespa (na época um banco estatal, pertencente ao governo paulista, controlado pelos tucanos). Curiosamente, Serra não declarou à Justiça Eleitoral, em 1994, a sociedade com Rioli. Por que? Rioli, segundo relatório da CPI publicado por Amaury, beneficiou as empresas de Preciado em operações financeiras estranhas.  Por isso tudo, é importante saber que Preciado teria depositado dinheiro em empresas “offshore” de Ricardo Sérgio…

Mas isso é apenas um detalhe, perto de toda a documentação exposta por Amaury. Ele mostra a sociedade de Verônica Serra com Veronica Dantas (irmã de Daniel Dantas, banqueiro que ganhou muito dinheiro no processo de privatizações) na empresa Decidir.com. Os documentos estão às páginas 190 e 191 do livro.
A leitura, como eu disse, exige tempo. E atenção.

Nos próximos dias, traremos aqui outros textos, esclarecendo pontos específicos do amplo material exposto em “A Privataria Tucana”. O livro foi editado pela Geração Editorial. E já está à venda nas principais livrarias do país.

Entrevista do Rodrigo Viana com seu colega Amaury Ribeiro Jr.



- Por que Ricardo Sergio (ex-caixa de FHC e Serra) é tão importante nessa história?
Por 3 motivos:

Primeiro, na condição de diretor internacional do Banco do Brasil, ele assinou uma portaria que permitia a bancos brasileiros possuir contas em bancos correlatos no Paraguai, e vice versa. Essa medida tinha como pretexto facilitar a movimentação de dinheiro dos brasileiros que possuem comércio no Paraguai. No entanto, se transformou no maior duto para lavagem de dinheiro. Em vez do dinheiro vir para o Brasil, os doleiros passarama a usar esse mecanismo pra mandar toda a grana para uma agência do Banestado em Nova York. Pode-se dizer que Ricardo Sérgio atuou nessa ponta da lavanderia do Banestado.

Segundo ponto, Ricardo Sergio foi o grande artesão dos consórcios das empresas de telecomunicações durante as privatizações, no governo FHC. Ele conseguia manipular a formação dos grupos porque controlava o Previ (milionário Fundo de Previdência dos funcionários do Banco do Brasil), e decidia a forma como o Previ participaria dos consórcios. Ele conseguia isso porque o presidente do Fundo era um aliado dele – João Bosco Madeiro da Costa.

Por fim, Ricardo Sérgio criou a metodologia de usar as “offshores” nas Ilhas Virgen Britânicas, principalmente no Citco. Essas “offshores” eram usadas pra internar [trazer de volta ao Brasil]  dinheiro que saiu ilegalmente do país, por meio de uma rede de doleiros.

- Ricardo Sergio foi indicado para o Banco do Brasil por quem?
Clovis Carvalho, homem muito próximo de FHC (foi ministro da Casa Civil) e Serra.

- O livro mostra uma rede de pessoas muito próximas a Serra e que teriam ligação com o esquema das “offshores”. Quem faz parte dessa rede? 
A filha de Serra, Verônica. O genro dele, Alexandre Bourgeois. O primo de Serra, Gregorio Marin Preciado. Além de Madeiro da Costa.

- Qual a relação do banqueiro Daniel Dantas com Serra? 
Os documentos mostram que a empresa Decidir, aberta na Flórida,era uma sociedade entre a irmã do banqueiro e a filha de Serra – as duas Verônicas. A empresa foi aberta com recursos das próprias empresas de Dantas. Depois, a Decidir foi transferida para as Ilhas Virgens Britânicas, no mesmo escritório da Citco onde Ricardo Sérgio opera com várias “offshores”, desde a década de 80. A exemplo das empresas de Ricardo Sergio, as offshores de Verônica e Alexandre Bourgeois eram usadas pra internar dinheiro em empresas deles no Brasil.

- Isso está provado por documentos?
Sim. Tudo está documentado, papéis obtidos de forma lícita em cartórios , na Junta Comercial, nos arquivos da Justiça brasileira e no governo da Florida, além de papéis obtidos nas Ilhas Virgens.

- No governo tucano, Serra era tido como um “desenvolvimentista”, em oposição aos “liberais” que queriam privatizar tudo. Sua investigação mostra que Serra foi mesmo um personagem secundário nas privatizações?
Não, ao contrário. Todos os personagens importantes na privatização eram muito proximos a Serra, a começar pelo Ricardo Sérgio, que foi caixa de campanha do Serra antes de ir para o Banco do Brasil. Isso mostra que Serra era um personagem central no processo, não era figura secundária, aliás ele fez questão de bater o martelo pessoalmente em mais de um leilão . Se fizermos um gráfico com as pessoas citadas no livro, vemos que os tentáculos da privatização levam ao José Serra. O nome dele aparece em poucos documentos, mas nos papéis surge gente muito próxima ao Serra – a filha, o genro, o Ricardo Sérgio…

- Ano passado você virou pivô de um escândalo durante a campanha. Não tem medo de retaliações agora?
Fui colocado no foco das eleições, com dois objetivos: evitar que os papéis desse livro fossem divulgados e afetar a candidatura da atual presidenta Dilma. Mas o livro está aí para provar que nenhum desses papéis é fruto da suposta quebra de sigilo de que fui acusado no ano passado. Quanto a retaliações, estou preparado pra tudo, e aviso: tudo que relato no livro está muito bem documentado

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