* Este blog luta por uma sociedade mais igualitária e justa, pela democratização da informação, pela transparência no exercício do poder público e na defesa de questões sociais e ambientais.
* Aqui temos tolerância com a crítica, mas com o que não temos tolerância é com a mentira.

sábado, 23 de abril de 2011

Fatos colaterais em um desastre natural - Confusões nos céus do Japão


narrativa de Arnold Pieper - piloto da Delta Airlines, pescado no blog Aviação de Ontem e Hoje


Nesse momento ainda estou inteiro, escrevendo do meu quarto no hotel da tripulação. São 08:00. Esta é minha viagem trans-pacífica inaugural como recém-checado comandante internacional de 767 e até o momento está sendo interessante, para dizer o minimo. Eu já cruzei o Atlântico três vezes até agora, de forma que os procedimentos oceânicos já me são familiares.

Diga-se de passagem, é deslumbrante voar sobre as Ilhas Aleutas.

Tudo estava indo bem, até 100 milhas fora de Tóquio, na descida para a chegada.

A primeira indicação de problema foi o controle Japones começar a colocar todos os vôos em órbitas de espera.

Inicialmente pensamos que era o habitual congestionamento da chegada. Então recebemos do despacho da empresa, via link de dados, uma mensagem avisando sobre o terremoto, seguida por outra avisando que o aeroporto de Narita estava fechado temporariamente para inspeção e deveria ser reaberto em breve (a empresa é sempre tão otimista).

Do nosso ponto de vista, as coisas estavam, obviamente, um tanto diferentes. O nível de ansiedade do controlador japonês parecia bastante elevado, quando nos comunicou que o tempo de espera era "indefinido". Como ninguém se comprometia com relação a um período de tempo mais preciso, pedi a meu co-piloto e relief-pilot que procurassem alternativas viáveis e analizassem nossa situação de combustível, que, após uma travessia oceânica é normalmente baixo.

Não demorou muito, talvez dez minutos e os primeiros pilotos começaram a alternar para outros aeroportos. Air Canada, American, United, etc todos reportando "combustível mínimo".

Eu ainda tinha combustível suficiente para 1,5 a 2,0 horas de espera.
Desnecessário dizer que os vôos alternando logo complicaram a situação.

O controle de tráfego aéreo japonês, em seguida, anunciou Narita fechado por tempo indeterminado, devido à danos.

Os vôos começaram então a solicitar pouso em Haneda, perto de Tóquio. Meia dúzia de JALs e alguns voos ocidentais obtiveram autorização nesse sentido, mas em seguida o controle avisou que Haneda tinha acabado de fechar. Oh-oh!

Agora, em vez de apenas esperas, todos tivemos que começar a considerar alternativas mais distantes, como Osaka, ou Nagoya.

O que é ruim sobre um avião grande é que você não pode apenas decidir pousar em qualquer aeroporto pequeno.

Em geral, é necessária muita pista. Com mais e mais voos se empilhando tanto a leste como a oeste, todos precisando de um lugar para pousar e várias situações de combustível crítico, o controle de tráfego aéreo estava começando a se debater. Na luta, sem esperar meu combustível ficar crítico, obtive autorização para Nagoya, com a situação de combustível ainda boa. Até aí tudo bem. Após alguns minutos nessa direção, fomos "ordenados" pelo controle para inverter curso.

Nagoya estava saturada com tráfego e incapaz de lidar com mais aviões (leia-se aeroporto lotado). Idem para Osaka.

Com essa declaração, nosso combustível passou instantaneamente de bom para mínimo, considerando que poderíamos ter que fazer um desvio muito mais longo. Multiplique nossa situação por uma dúzia de aeronaves todas no mesmo barco, todas fazendo exigências e ameaças ao contrôle para alternar em algum lugar.

Um Air Canada e depois outro foram para "emergencia" de combustível. Aviões começaram a pousar em bases da força aérea.

A mais próxima a Tóquio era Yokoda AFB. Entrei nessa também, inicialmente. A resposta - Yokoda fechada! Não há mais espaço.

A essa altura o cockpit se transformou em um Circo de tres picadeiros: meu co-piloto nos rádios, eu voando e tomando decisões e o relief-pilot enterrado nas cartas aéreas tentando achar um lugar para onde ir, que estivesse dentro do alcance, enquanto mensagens voavam pelo link de dados entre nós e o despacho da empresa em Atlanta. Escolhemos Misawa AFB na extremidade norte da ilha de Honshu. Podíamos chegar lá com combustível mínimo ainda restante. O Controle, feliz por se livrar de mais um, nos autorizou a sair do turbilhão da região de Tóquio. Ouvimos o contrôle tentar enviar vôos para Sendai, um pequeno aeroporto regional no litoral que mais tarde me parece foi inundado por um tsunami.

O despacho em Atlanta, a seguir, nos enviou uma mensagem perguntando se poderíamos continuar até o aeroporto de Chitose, na ilha de Hokkaido, no norte de Honshu. Outros aviões da Delta estavam sendo mandados para lá. Mais correria no cockpit - Checar meteoro, checar as cartas, checar combustível, tudo bem. Poderiamos fazê-lo sem entrar em uma situação crítica de combustível... desde que não tivéssemos outro atraso. Quando nos aproximamos de Misawa obtivemos autorização para continuar a Chitose.

Processo de tomada de decisão crítica. Vamos ver - tentando ajudar a empresa - aeronave sobrevoa alternativa perfeitamente boa em favor de uma mais distante... queria saber como isso iria parecer no relatório de segurança, se algo desse errado.

De repente o controle nos dá um vetor para uma posição bem antes de Chitose e nos diz para aguardar instruções de espera. Pesadelo realizado. A situação deteriora-se rapidamente. Depois de uma espera inicial perto de Tóquio, iniciar um desvio para Nagoya e inverter o curso de volta a Tóquio, em seguida, voltar a desviar para o norte até Misawa, toda nossa feliz reserva de combustível agora se evaporava rápidamente. Minha transmissão seguinte, parafraseado claro, foi mais ou menos assim:

"Controle Sapparo - Delta XX solicita liberação imediata direto Chitose, combustível mínimo, impossibilitado de efetuar espera."

"Negativo-Ghost Rider, o tráfego está lotado" (citação do filme Top Gun)

"Controle, correção, Delta XX declarando emergência de combustível, prosseguirá direto Chitose."

"Roger Delta XX, entendido, você está liberado direto Chitose, contate agora o controle Chitose .... etc ..."

Decidi dar um basta e me antecipar, antes de ficar com o combustível criticamente baixo em outra órbita por tempo indeterminado, principalmente após haver ignorado Misawa, jogando assim minha última cartada ... declarando uma emergência. O inconveniente é que agora eu teria uma papelada da empresa para preencher, mas... e daí.

Dessa forma - desembarcamos em Chitose com segurança, com pelo menos 30 minutos de combustível restante antes de atingir uma "verdadeira" situação de emergência de combustível. É sempre um bom sentimento, estar seguro. Eles nos taxiaram para uma área remota do estacionamento, onde cortamos e assistimos uma meia dúzia ou mais de aeronaves chegando em fila. No final, da Delta haviam dois 747, nosso 767 mais um outro e um 777 todos no pátio em Chitose. Vimos também dois aviões da American Airlines, um United e dois Air Canada.

Para não falar dos muitos aviões da Al Nippon e Japan Air Lines.

PS - Nove horas depois, a JAL finalmente conseguiu trazer uma escada até nosso avião e fomos capazes de desembarcar e fazer alfândega. - Que no entanto, é outra história interessante.

Por falar nisso - enquanto escrevo esta - senti quatro tremores adicionais que abalaram o hotel um pouco - tudo em 45 minutos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário