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sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A batalha do Rio


Texto do ótimo jornalista Mauro Santayana

É um engano identificar a batalha do Rio – e de outras grandes cidades – como mero confronto entre a polícia e delinquentes, traficantes, ou não. Embora a conclusão possa chocar os bons sentimentos burgueses, e excitar a ira conservadora, é melhor entender os arrastões, a queima de veículos, os ataques a tiros contra alvos policiais, como atos de insurreição social. Durante a rebelião de São Paulo, o governador em exercício, Cláudio Lembo, considerado um político conservador, mais do que tocar na ferida, cravou-lhe o dedo, ao recomendar à elite branca que abrisse a bolsa e se desfizesse dos anéis.

O Brasil é dos países mais desiguais do mundo. Estamos cansados do diagnóstico estatístico, das análises acadêmicas e dos discursos demagógicos. Grande parcela das camadas dirigentes da sociedade não parece interessada em resolver o problema, ou seja, em trocar o egoísmo e o preconceito contra os pobres, pela prosperidade nacional, pela paz, em casa e nas ruas. Não conseguimos, até hoje (embora, do ponto de vista da lei, tenhamos avançado um pouco, nos últimos decênios) reconhecer a dignidade de todos os brasileiros, e promover a integração social dos marginalizados.

Os atuais estudiosos da Escola de Frankfurt propõem outra motivação para a revolução: o reconhecimento social. Enfim, trata-se da aceitação do direito de todos participarem da sociedade econômica e cultural de nosso tempo. O livro de Axel Honneth, atual dirigente daquele grupo (A luta pelo reconhecimento. Para uma gramática moral do conflito social) tem o mérito de se concentrar sobre o maior problema ético da sociedade contemporânea, o do reconhecimento de qualquer ser humano como cidadão.

A tese não é nova, mas atualíssima. Santo Tomás de Aquino foi radical, ao afirmar que, sem o mínimo de bens materiais, os homens estão dispensados do exercício da virtude. Quem já passou fome sabe que o mais terrível dessa situação é o sentimento de raiva, de impotência, da indignidade de não conseguir prover com seus braços o alimento do próprio corpo. Quem não come, não faz parte da comunidade da vida. E ainda “há outras fomes, e outros alimentos”, como dizia Drummond.

É o que ocorre com grande parte da população brasileira, sobretudo no Rio, em São Paulo, no Recife, em Salvador – enfim em todas as grandes metrópoles. Mesmo que comam, não se sentem integrados na sociedade nacional, falta-lhes “outro alimento”. Os ricos e os integrantes da alta classe média, que os humilham, a bordo de seus automóveis e mansões, são vistos como estrangeiros, senhores de um território ocupado. Quando bandos cometem os crimes que conhecemos (e são realmente crimes contra todos), dizem com as labaredas que tremulam como flâmulas: “Ouçam e vejam, nós existimos”.

As autoridades policiais atuam como forças de repressão, e não sabem atuar de outra forma, apesar do emplastro das UPPs.

Na Europa, conforme os analistas, cresce a sensação de que quem controla o Estado e a sociedade não são os políticos nem os partidos, escolhidos pelo voto, mas, sim, o mercado. Em nosso tempo, quem diz “mercado”, diz bancos, diz banqueiros, que dominam tudo, das universidades à grande parte da mídia, das indústrias aos bailes funk. E quando fraudam seus balanços e “quebram”, o povo paga: na Irlanda, além das demissões em massa, haverá a redução de 10% nas pensões e no salário mínimo – entre outras medidas – para salvar o sistema.

A diferença entre o que ocorre no Rio e em Paris e Londres é que, lá, o comando das manifestações é compartido entre os trabalhadores e setores da classe média, bem informados e instruídos. Aqui, os incêndios de automóveis e os ataques à polícia são realizados pelos marginalizados de tudo, até mesmo do respeito à vida. À própria vida e à vida dos outros.

2 comentários:

  1. Associar violência e delinquência a pobreza é uma falácia sem tamanho. Se isto fosse verdade, não haveria políticos corruptos, nem gente de classe média/alta safada. Também não haveria crimes passionais, que são provavelmente a maioria.

    No mais é um problema de índole, de formação mesmo. Nós, brasileiros, somos um povo violento. Enquanto não admitirmos isto, e procurar arrumar o problema a partir da origem, nada mudará.

    Concedo apenas que "o exemplo vem de cima" e portanto quem tem uma situação melhor e faz a coisa errada, tem um pouco mais de culpa. O patrão que trata a empregada como um bicho (o que, para meu espanto, era a regra em Recife, quando morei lá) está alimentando o ciclo. O que trata a empregada como gente, dá sua colaboração para frear o ciclo, e é o que se espera dele, ele está em posição de fazer isto.

    Mas "o exemplo vem de cima", ou esperar que a elite dirija a coisa para um destino melhor, é bastante diferente de dizer que "a culpa é de quem está em cima".

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  2. Pô Elvis... Colocar politicos corruptos no mesmo balaio com excluidos é que é uma temeridade, pois são duas coisas completamente diferentes e me parece, bastante distantes no contexto do drama que se desenrola no RJ.

    É obvio que a exclusão é a mãe do crime, tendo como cúmplice a perversa convivência do poder público e das elities dirigentes com a desigualdade. No caso do Rio ainda temos a corrupção nos órgãos de segurança (que poderíamos lançar na lista de “políticos” afinal) e na própria policia.

    Ñ estamos diante de um caso policial simplesmente, mas de um muito sério problema estrutural de uma sociedade doente, cujas origens estão na miséria e na pobreza impostas a vastas camadas do povo, aliadas a uma postura de descomprometimento e abandono com que foram sendo tratados os menos favorecidos, ao longo de muitos anos.

    Aí dá nisso.

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