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sexta-feira, 3 de setembro de 2010

A cronologia de um bestialógico (2) - Fábula de um país imaginário

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Conto da carochinha escrito por Idelber Avelar

-- Rapaz, eu te falei que esse negócio dos nossos jornais não darem uma linha sobre a história era burrada. A imprensa inteira fazendo o maior auê e a gente dando manchete sobre o aumento da poluição em BH? Foi bandeira demais. Os caras só seguiram a pista.

-- Eu disse ao Alvim. Era só repetir a ladainha “o aparelhamento da Receita, o Estado policial, patati patatá”. Mas não. Ficaram no silêncio, deu no que deu. Ficou óbvio demais.

-- Uso do cachimbo deixa a boca torta.

-- Pois é.

-- O negócio já estava agourado lá atrás, quando o Ecim bateu na namorada. Pô, tá achando que Copacabana é Barão de Cocais? Lá vaza mesmo. A moça lá da Folha que é dona da boate contou, mas não deu nome nenhum.

-- Quem deu?

-- Aquele jornalista lá, do futebol.

-- Por que o cara fez isso?

-- Ele vive afogado em processos, o Ric o odeia.

-- O Rick o está processando também?

-- Não, sua besta, esse é outro Ric, o do futebol!

-- Ah, sei. Mas o que tem a ver?

-- É que o Ric é chapa do Ecim.

-- Isso aí foi antes ou depois daquele recado do careca, o pó pará?

-- Depois. O Ecim já sabia que o chumbo era grosso. Mas aí o Ecim já estava com a galera nossa aqui, já tinha chamado o Yruama. Quando o careca descobriu que o Rick estava processando o Yruama, endoidou. Ele é feio e desengoçado, burro ele não é. Mas aí Inês já era morta, tinha que continuar com a ladainha de que era o partido dos barbudos. Como réu, o Yruama tinha acesso aos autos. Imagina, oYruama, repórter, macaco velho, com aquela papelada toda. O sujeito até salivou. Um franguinho assado no colo.

-- O que tem na papelada?

-- Toda a história de Lilliput nos anos 90. Como venderam tudo, as negociatas, tudim, tudim. O careca entrou em pânico.

-- O lance é que o careca tentando fingir de indignado não convence nem minha vovozinha. É mais fácil ele aprender a dançar forró que se fingir ultrajado. Aí fodeu mesmo.

-- Mas o plano não era incriminar o partido dos barbudos com o material do Yruama, aproveitando que era sigiloso?

-- Tentaram. Foram lá em Brasília com aquele delegado. O sargentão estava lá também. Não conseguiram nem um aloprado pra arrastar.

-- Mas a Óia não deu a matéria assim mesmo, dizendo que era o partido dos barbudos?

-- Os caras foram lá, mas a história era tão fantasiosa que nem o Quaresma achou que dava pra vender.

-- Mas a matéria saiu.

-- Saiu, porque ali sacumé. Até o cruzamento da mandioca com o rinoceronte eles já inventaram.

-- E aí, o que rolou?

-- A matéria saiu na internet num sábado. Veio o domingo e nada de repercussão. Veio a segunda, nada. Não sei o que rolou na segunda, mas na terça A Esfera entrou solando, publicou matéria repercutindo. O rapaz da Folha até contou que eles nem iam pegar essa história, era vexame demais, mas como A Esfera já tinha publicado, eles tinham que seguir.

-- Nem com a matéria eles conseguiram algum bobo do partido dos barbudos pra pegar um dado sigiloso e depois ser incriminado?

-- Nem um. Filhos da puta. Os barbudos estão ficando espertos.

-- Como é que eles descobrem a relação disso tudo aí com a cidade do Visconde?

-- Internet, meu filho. Lilliput em 2010 não é Lilliput em 1989. Não sei quem foi, mas às 15 h o trem já estava pegando fogo na internet.

-- Qual foi a besta quadrada que saiu da reunião dizendo “a internet já descobriu que foi o Ecim”?

-- Não sei quem foi, mas vazou isso também.

-- Como é que está Ecim?

-- Ecim está tranquilo. Agora, o careca está em pânico.

-- E o nosso esquemão aqui?

-- Complicado. Descobriram as matérias clandestinas feitas à noite aqui, pra não sair no jornal e vazar pra outros.

-- Como descobriram? Porra, estamos no oitavo andar!

-- A meia dúzia de quarteirões do Ecim. Eu já te falei, Lilliput em 2010 não é Lilliput em 1989.

-- Como se chama este bairro aqui?

-- Bairro da Serra.

-- Avenida Getúlio Vargas no bairro da Serra?

-- Eu sei, pode rir.

-- E o careca agora?

-- Ficou doidão. Não pode revelar o esquema, começou a brigar com os blogs.

-- Blogs?

-- É uma turma suja que escreve na Internet.

-- O cara quer governar Lilliput e está brigando com os blogs?

-- Desespero, mô fio. O Ecim é que é esperto. O careca odeia o Ecim até mais que ele odeia o barbudão. Do barbudão ele tem é inveja.

-- E o barbudão?

-- Estava lá em Porto Alegre quando vazou tudo. Sendo beijado pelo povo, aquela nojeira.

-- Tem perigo disso sair na imprensa?

-- Tem não. Morrem de medo, rabo preso, sacumé. O lance é que dá na mesma, está todo mundo migrando pra internet.

-- O Yruama está se cuidando?

-- Aquele ali é doido de pedra. Você sabe, ele voltou pra Minas depois que levou aquele tiro em Brasília.

-- Nosso esquemão aqui sobrevive?

-- Claro. Minas é tranquilo.

-- Então a mulher vai ganhar mesmo?

-- De lavada.

-- E o careca?

-- Se fodeu.

-- Acho que é até melhor pra nós.

-- Com certeza.

-- O careca ficou sozinho então?

-- Ficou sozinho.

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