* Este blog luta por uma sociedade mais igualitária e justa, pela democratização da informação, pela transparência no exercício do poder público e na defesa de questões sociais e ambientais.
* Aqui temos tolerância com a crítica, mas com o que não temos tolerância é com a mentira.

terça-feira, 11 de maio de 2010

O futuro dos biocombustíveis


Por José Vitor Bomtempo no Blog Infopetro

A indústria de biocombustíveis do futuro será bem diferente da que conhecemos hoje. Não se limitará aos produtos atuais – etanol e biodiesel -, nem aos processos e matérias primas de hoje. Sua base tecnológica e sua estrutura industrial poderão ser irreconhecíveis vistas de hoje.

Essa premissa é muito importante para refletirmos sobre as perguntas do
post anterior. Vamos então discuti-la um pouco mais e tentar defendê-la.

Por que se pode dizer que uma nova indústria baseada em biomassa voltada aos biocombustíveis e bioprodutos está sendo construída? Algumas questões, relacionadas às limitações dos biocombustíveis ditos de primeira geração e às condições que devem preencher os biocombustíveis para que ocupem um espaço no mercado nas próximas décadas, orientam o ambiente de busca de inovações em biocombustíveis e bioprodutos. A visão neo-schumpeteriana da inovação sugere que para responder a um problema social e/ou para explorar uma oportunidade de negócios, os inovadores agem no âmbito de um ambiente de seleção. O ambiente de seleção corresponde ao conjunto de fatores econômicos, sociais e institucionais que atuam como mecanismos de seleção para as tecnologias.

Os fatores que têm motivado os inovadores a explorar a biomassa para oferecerem suas respostas e, se as inovações forem bem sucedidas, colherem os prêmios, se tornaram nos últimos anos cada vez mais complexos. Por isso, a indústria está em efervescência em busca das melhores respostas ao ambiente de seleção para se inserir no mundo futuro de baixo carbono. Ou de forma mais direta e clara, como disse recentemente Phil New, executivo chefe da BP Biofuels: “It still feels like the final bets have not been made”.

Vamos aos pontos que marcam esse ambiente de seleção:

  • Os biocombustíveis de 1ª geração competem com alimentos diretamente ao utilizarem matérias primas nobres e de uso alimentar;
  • Os biocombustíveis de 1ª geração competem com alimentos, mesmo se não deslocam alimentos para uso energético, ao ocuparem terras férteis e deslocarem a produção de alimentos;
  • Os biocombustíveis de 1ª geração, exceto o etanol de cana de açúcar, não são sustentáveis do ponto de vista ambiental;
  • Os biocombustíveis de 1ª geração não têm condição, pelo nível de produtividade atual, de serem produzidos nos volumes previstos para atender os programas de utilização de energia renovável;
  • Os biocombustíveis de 1ª geração utilizam matérias primas com problemas de qualidade, disponibilidade e preços que comprometem a viabilidade econômica da indústria;
Os biocombustíveis de 1ª geração (etanol) não são substitutos ideais dos derivados de petróleo em termos energéticos e ainda exigem a construção de infraestrutura de transporte, distribuição e a adaptação dos motores.

Muitos dos problemas acima estão ligados direta ou indiretamente à questão da sustentabilidade ambiental e da competição com alimentos. De certa forma, o debate se tornou mais claro nos últimos 2 anos. O estudo realizado pela ONU “Towards sustainable production and use of ressources: Assessing Biofuels” pode ser citado como a referência na questão. No contexto americano, o RFS (renewable fuel standard) estabeleceu um teto de 16 bilhões de galões para o de etanol de milho, o que deverá ser atingido em 2016. O importante é que a incorporação dessas restrições ao ambiente de seleção impulsionou ou tem impulsionado a busca de inovações em matérias primas.

A busca da matéria prima ideal, ou de algumas matérias primas ideais, está em aberto e evoluindo rapidamente. Os requisitos das matérias primas incluem fatores múltiplos e não facilmente conciliáveis: disponibilidade, preço, qualidade em relação ao processo de conversão, sem esquecer a sustentabilidade ambiental.

No estágio atual parece claro que a cana de açúcar, cultivada nos níveis da produtividade brasileira, seria, entre as matérias primas disponíveis, a mais próxima do ideal. Essa matéria prima tem sido utilizada até agora apenas como fonte de etanol a partir da fermentação do caldo, além da produção de eletricidade a partir do bagaço. Entretanto, outras alternativas de combustíveis e bioprodutos a partir da cana como o diesel drop in da Amyris, o projeto Veranium/BP de etanol celulósico ou o polietileno da Braskem têm surgido, reforçando o valor e potencial da cana de açúcar na indústria baseada em biomassa. Outras culturas energéticas têm sido desenvolvidas como por exemplo switchgrass e miscanthus nos EUA e Canadá, e pinhão manso na Índia e outras regiões. O processo de desenvolvimento dessas culturas tem sido difícil como é da natureza das inovações com esperanças e decepções que se alternam em resposta aos esforços dos pesquisadores e investidores. O cultivo e uso de novas plantas exige um tempo de maturação que não pode ser ignorado e cujos resultados são por natureza incertos.

Nesse processo de busca de solução para o problema das matérias primas, duas alternativas merecem no momento o foco das atenções: as algas, em primeiro lugar, e os resíduos urbanos, em particular os resíduos sólidos (municipal solid waste).

O que fazer com tantas opções de matérias primas? A essa multiplicidade de matérias primas acrescentam-se as diversas tecnologias de conversão em desenvolvimento. Uma análise feita a partir de uma base de dados de 50 projetos inovadores em desenvolvimento permite avaliar a dinâmica tecnológica desses desenvolvimentos.

A análise das inovações de processo mostra em primeiro lugar uma amplitude de técnicas em desenvolvimento, utilizando diversas bases de conhecimento (fermentação, processos enzimáticos, engenharia genética, gaseificação, pirólise e ainda catálise e reações químicas), que traduzem o desafio dos biocombustíveis avançados de forma muito mais ampla do que a simples produção de etanol de celulose. Longe de ser irrelevante, a produção de etanol a partir de materiais celulósicos é um desafio tecnológico importante, e que vem sendo perseguido por diversas empresas, mas que não pode ser visto como sinônimo de biocombustíveis avançados, como parece ser às vezes a percepção dominante.

Cabe destacar que, ampliando o grau de variedade e multiplicidade das alternativas em jogo, mesmo tecnologias de conversão de mesma natureza e utilizando a mesma base de conhecimento estão sendo desenvolvidas segundo linhas variadas. O exame mais minucioso das diversas tecnologias de conversão em desenvolvimento traria por certo a percepção de que a competição pelas soluções a serem adotadas se dá não só entre as tecnologias gerais mas também dentro de cada uma delas.

E as inovações de produtos? A princípio, deveriam ser pouco numerosas ou quase inexistentes. Inovações de produto são raras em combustíveis líquidos. A lógica natural da indústria é estabelecer especificações bem definidas de alguns produtos e buscar em inovações de processos a redução de custo e a melhoria de características. Nessa linha, boa parte dos esforços é de trabalhar para desenvolver novos processos para a produção de combustíveis já conhecidos e utilizados, como o etanol. Mas o estágio atual da indústria vislumbra oportunidades de introduzir novos produtos, de origem renovável, que se aproximem da condição de combustíveis ideais e de outros bioprodutos que possam competir com produtos químicos de base fóssil. Um número crescente de projetos inovadores tem se interessado pela inovações de produto.

O problema da adaptação dos motores e da construção de infraestrutura de transporte e distribuição para o etanol e outros combustíveis de primeira geração tem aberto um espaço crescente para a inovações de produto e para a produção de biocombustíveis drop in. A interrogação sobre a natureza dos biocombustíveis do futuro, contrapondo etanol e outros biocombustíveis, tem sido colocada pela EPA americana ao discutir a evolução do RFS (renewable fuel standard). As discussões atuais sobre as limitações da infraestrutura americana para o etanol e as dificuldades para sua implementação reforçam essa tendência. Um trabalho interessante, publicado na newsletter da Mckinsey em novembro de 2009, ilustra a complexidade do problema de infraestrutura para o etanol no EUA.

Ainda relacionado às inovações de produto, não pode deixar de ser mencionada a crescente importância do conceito de biorrefinaria. Esse conceito sugere que a exploração das biomassas precisa integrar uma visão multiproduto, explorando diversas correntes e processos, à semelhança das refinarias de petróleo que derivam do óleo um conjunto variado de produtos. No caso da biorrefinaria, os produtos energéticos aparecem ao lado de produtos químicos.

Em síntese, a indústria de biocombustíveis do futuro será muito diferente da atual porque existe um processo de inovação em curso ainda com muitas variáveis em aberto. Esse movimento costuma ser designado como voltado para o desenvolvimento dos chamados biocombustíveis de segunda geração ou biocombustíveis avançados. Dada a diversidade de alternativas tecnológicas e concepções que têm sido propostas, a denominação “segunda geração” está se tornando inadequada por destacar essencialmente algumas opções iniciais, como etanol de materiais celulósicos, em detrimento de um espectro muito mais rico e complexo que está sendo desenvolvido na direção do aproveitamento integral da biomassa (biocombustíveis, produtos químicos e bioeletricidade). Numa entrevista recente, o Secretário de Energia dos EUA, Stephen Chu, usou a expressão biocombustíveis de quarta ou quinta geração para enfatizar o quão inovadores e diferentes serão os biocombustíveis do futuro.

Um comentário: