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quinta-feira, 8 de abril de 2010

O desatre no Rio de Janeiro pode levar a uma cidade mais justa?


Texto ótimo do Sakamoto

Até as cenas de calamidade geradas pelas chuvas no Rio de Janeiro nos lembram que a cidade é mais democrática que São Paulo. É claro que a geografia da capital carioca, com vales entrecortando morros que servem de muro às praias, criou uma cidade ímpar, em que pobres e ricos chegam a conviver com problemas semelhantes – semelhantes, mas não iguais em intensidade ou drama, até porque o pobre é quem obrigatoriamente se estrepa, seja o lugar que for. São Paulo lembra mais uma construção medieval, com um fosso (no caso dois, os rios Pinheiros e Tietê) separando a parte mais rica dos arredores pobres. Onde vivem os bárbaros, aqueles que ficaram de fora do butim.

O Rio tem bairros pobres no meio de partes ricas. Ou, dependendo do ponto de vista, partes ricas no meio de morros pobres (o que importa é que é um punhado de abastados em meio ao exército restante). A água, que veio por cima ou não conseguiu escoar por baixo, fez com que bairros chiques como a Lagoa, ou mesmo tradicionais como o Cosme Velho, fossem parcialmente submersos. Cenas que, com todo o respeito, fazem as cheias de bairros ricos da capital paulista, como a Vila Madalena ou Pinheiros, parecerem poças d’água. Diferentemente do Jardim Pantanal, extremo Leste de São Paulo, que tornou-se ícone do zero à esquerda que vale a vida de quem não tem nada, onde a água com cocô lavou a vida de centenas de pessoas.

O Jardim Pantanal é praticamente uma ocupação ilegal, um depositório de gente que foi parar onde São Paulo acaba mais por falta de opções do que por escolha individual. A prefeitura da capital paulista sugeriu retirar o povo de lá para que o problema acabe. Isso significa que a imensa maioria da população, que construiu sua casinha ao longo de anos de economia suada, ou aceitava o auxílio-moradia (um vale-coxinha de R$ 2 mil) ou ia embora de mãos abanando, porque a área será derrubada. Em fevereiro, parte dos moradores não aceitou isso e foi protestar em frente à Prefeitura. Levou gás de pimenta nos olhos. Tá certo! Esse pessoal tem que saber o seu lugar no mundo… Fica a lição para a Prefeitura do Rio quando a água baixar e o pessoal for protestar na frente do prédio.

A situação geográfica e urbanística do Rio é diferente, mas o problema social não. O prefeito Eduardo Paes já veio ameaçar os “demagogos” que reclamam da retirada de populações de áreas de risco na época da seca. Mas o que fazer com o pessoal que vai ser saído de lá? Dá para conseguir uma alternativa de moradia para todo mundo ou vão ocorrer expulsões para mais longe (quiçá, se Deus quiser, fora do município…) e tome vale-coxinha?

A solução para não ter mais gente morta é tirá-los de lá. Concordo plenamente. Mas para colocar aonde? Eu ouvi um apresentador de TV dizer algo do tipo “não interessa para onde o pessoal retirado vai, isso não é problema do Estado”. Ah, é? É de quem então?

De forma a atazanar o leitor, eu havia escrito, tempos atrás, que gostaria muito de ver um dia uma grande chuva chegando escura no meio da tarde em São Paulo. Veriam, em pouco tempo, tratar-se de um pé d’água maior que as tempestades que atingem o planalto de Piratininga. E começasse a cair, toda ela, em cima dos bairros nobres. A água subiria com o lixo entupindo as bocas de lobo e iria inundar mansões, encharcar tapetes caros, afogar alguns carros importados e arrastar lençóis de seda egípcia. O pessoal teria que ir para algum hotel, mas os hotéis também estaria alagados, bem como as casas de amigos. Sobraria o Ginásio do Ibirapuera e uma fila de sopão. Seria interessante ver os Jardins terem seu dia de Campo Limpo.

(Parênteses: alguns leitores não entenderam a provocação e levaram a sério, condenando-me por querer inundar a cidade por conta de uma luta de classes – como se eu tivesse os poderes do Cacique Cobra Coral…)

Mas talvez, com isso, fossem implantadas ações para amenizar o sofrimento desse povaréu, que foi empurrado para as várzeas, morros e vales de rios pela especulação imobiliária e a pobreza. Dividindo a mesma situação, talvez enxergassem no outro não apenas um personagem da matéria da TV e sim um igual e juntos buscassem alguma solução. Vendo agora o Rio, fico em uma expectativa: será que viver parte (ainda que pequena) dessa tragédia fará com que a porção rica da cidade empurre seus políticos para soluções urbanas duradouras, que incluem a construção de habitações dignas para todos? Ou, mais importante, que a porção pobre finalmente se mobilize por completo e não aceite um Estado que age seletivamente? Torço que sim, apesar de achar que não.

Por fim, com exceção dos fanáticos religiosos que enxergam sinais da primeira ou segunda vinda do messias (dependendo da religião em questão), apenas os mais míopes não percebem que as grandes cidades estão dando o troco. Não estou falando apenas do aquecimento global e das já irreversíveis mudanças climáticas que vão gratinar a Terra nos próximos séculos, mas também dos crimes ambientais que fomos acumulando debaixo do tapete e que, agora, tornaram-se uma montanha pronta a nos soterrar. Ou um caldo de esgoto a nos tragar.

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