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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Plano diretor... cocô... gás de pimenta... e voto!



A Prefeitura de São Paulo avisa que não pagará pela desapropriação de imóveis em áreas ocupadas ilegalmente no Jardim Pantanal – aquele bairro que submergiu em um caldo de cocô por conta da incompetência do poder público diante das chuvas que assolam a cidade. O problema é que o lugar é praticamente uma ocupação ilegal, um depositório de gente que foi parar onde São Paulo acaba mais por falta de opções do que por escolha individual. Isso significa que a imensa maioria da população, que construiu sua casinha ao longo de anos de economia suada, ou aceita o auxílio-moradia (um vale-coxinha de R$ 2 mil) ou vai embora de mãos abanando, porque a área será derrubada.

Enquanto isso, centenas de milhões de reais fluem anualmente de bancos públicos para financiar a produção agrícola em grandes propriedades rurais comprovadamente griladas. Ou seja, que ocupam ilegalmente terras públicas. São ínfimos os esforços do governo federal ou de administrações estaduais para reaver essas terras. O que importa é que elas produzem carne, etanol, suco de laranja, geram receitam, geram divisas… Diferente daquela gentinha do Jardim Pantanal que não faz o Brasil crescer, apenas limpa casas, constrói prédios, garante a segurança das ruas. Por isso, para entenderem seu lugar na sociedade, a Polícia Militar fez o óbvio: usou contra eles spray de pimenta enquanto protestavam ontem em frente à prefeitura. Dois pesos, duas medidas?... Não! Apenas uma questão de quem tem e quem não tem.

Com exceção dos fanáticos religiosos que enxergam sinais da primeira ou segunda vinda do messias (dependendo da religião em questão), apenas os mais míopes não percebem que a cidade está dando o troco. Não estou falando apenas do aquecimento global e das já irreversíveis mudanças climáticas que vão gratinar a Terra nos próximos séculos, mas também dos crimes ambientais que fomos acumulando debaixo do tapete e que, agora, tornaram-se uma montanha pronta a nos soterrar. Ou um caldo de esgoto a nos tragar.

O fato é que ocupação irregular, planejamento, plano diretor, reforma urbana são expressões ouvidas apenas no tempo das chuvas. Na seca, elas evaporam do léxico não só dos mandatários, mas também de pobres e ricos, que continuam construindo, desmatando e poluindo. Suas razões são diferentes, mas o efeito é o mesmo. Vale lembrar que tudo isso dito aí em cima não gera um voto, pelo contrário: quem é o doador que vai ficar feliz por ter o lançamento de seu edifício de escritórios na Marginal Pinheiros embargado por não ter mitigado os impactos que ele causará na cidade? Ou qual o apresentador de TV, que teve sua pousada de luxo removida de um paraíso ecológico por estar em local impróprio, toparia fazer campanha de graça para o político que atuou firmemente para a referida pousada ir ao beleléu?

Qualquer solução eficaz adotada vai passar por mudanças no comportamento de todos nós. Como diria Cecília Meireles no Romanceiro da Inconfidência, “todos querem a liberdade, mas quem por ela trabalha?” No Brasil, muito poucos. Certamente, os moradores do Jardim Pantanal que levaram pimenta nos olhos, ontem, ao protestar por dignidade, estão entre eles. Não estão se contentando com o lugar previamente reservado para eles na sociedade, de gado. Para uns isso é subversão e baderna. Para outros, democracia e cidadania.

A maioria segue escondida no conforto do anonimato, defendendo o seu, fazendo meia dúzia de ações insignificantes para dormir sem o peso da consciência e o resto da cidade que se dane. Não querem mudanças no modelo de desenvolvimento que impactaria o “American Way of Life” que importamos, apenas reciclar latinhas de alumínio, não jogar papel na rua e dar três descargas a menos no vaso sanitário por dia. E seguem respondendo de boca cheia que fariam de tudo para construir um mundo melhor. E não conseguem, nem ao menos, votar direito.


texto do Sakamoto

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